Tecnologias digitais preservam línguas que podem desaparecer

Importância cultural dessas línguas é tema de conferência que contou com participação de cientistas da National Geographic Society

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Por Agência Fapesp
Atualização:

Calcula-se que até o fim deste século cerca de 7 mil idiomas atualmente em uso no mundo poderão desaparecer definitivamente. Mas a tecnologia digital está sendo utilizada com grande eficácia para salvar diversas línguas ameaçadas de extinção.

 

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A importância cultural de preservar o máximo possível dessas línguas é indiscutível. Quanto mais línguas forem bem conhecidas, melhor se compreenderá como o processo de conhecimento humano opera e como ele se codifica em padrões linguísticos. E o êxito de alguns experimentos recentes traz otimismo para essa empreitada.

 

Essa é a principal conclusão da apresentação feita durante a conferência anual da Associação Americana para o Desenvolvimento da Ciência (AAAS), realizada em fevereiro em Vancouver (Canadá), por cientistas responsáveis pelo projeto Vozes Persistentes, da National Geographic Society.

 

Embora as tecnologias digitais possam ser vistas como ameaça à diversidade de idiomas no mundo - por usar o inglês como uma língua quase universal, entre outras razões -, para o linguista K. David Harrison, professor da Faculdade Swarthmore na Pensilvânia (Estados Unidos), o uso dessas técnicas é que tem permitido a construção de "dicionários falantes" que poderão garantir a sobrevivência de muitas línguas que de outro modo estariam fadadas ao completo desaparecimento.

 

Harrison e colegas têm viajado a recantos remotos do planeta para localizar grupos pequenos que ainda falam fluentemente certos idiomas. Eles filmam, gravam e fotografam as pessoas e tentam fazer com que elas expliquem a sintaxe, a pronúncia e o significado das palavras utilizadas.

 

Com isso, os pesquisadores são capazes de montar o que chamam de "dicionários falantes", que poderão ser utilizados não apenas como registro desses idiomas, mas também como ferramenta didática para ensiná-los a crianças e jovens.

 

Durante a reunião da AAAS oito desses dicionários, com um total de 32 mil verbetes, foram mostrados ao público pela primeira vez. Um deles é da língua Chamacoco, falada por cerca de 1.200 indígenas no norte do Paraguai que vivem basicamente de caça, pesca e coleta de frutos não plantados, sem praticamente acesso algum a tecnologias modernas.

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Outros "dicionários falantes" apresentados foram dos idiomas Matukar Panau (Nova Guiné), Remo, Sora e Ho (Índia), Tuvan (falada por populações nômades da Sibéria e da Mongólia) e Siletz-Dee-Ni (de uma pequena tribo no Oregon, Estados Unidos).

 

Bud Lane III, integrante da tribo no Oregon, deu um depoimento por telefone em entrevista coletiva à imprensa em Vancouver sobre sua participação no projeto "Vozes Persistentes". Ele disse que nunca esquecerá o dia, em 1980, em que alguns linguistas visitaram sua aldeia e disseram que a língua deles era "mórbida" e merecia acabar.

 

Desde aquele dia, Lane dedicou grande parte do seu tempo a tentar preservar a Siletz-Dee-Ni e encontrou os parceiros perfeitos em Harrison e seus colegas.

Lane contou que a língua começou a ser ameaçada quando, na metade do século 19, aborígenes de diversas culturas, forçados pela expansão do mundo branco, tiveram de abandonar seus locais de origem e se concentrar em Oregon, onde estavam os Siletz.

 

Para poderem se entender, todos passaram a se comunicar no jargão Chinook, que era mais disseminado do que as línguas nativas de todos os grupos. Com isso, mais a posterior adoção generalizada do inglês, os Siletz deixaram completamente de falar a sua língua, até que, cinco anos atrás, apenas Lane e mais uns poucos a praticavam.

 

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