Transplantes caem 34% durante pandemia do coronavírus

Medo de pacientes e doadores de se contaminarem, falta de leitos específicos e suspensão de vôos para transportar órgãos colaboram para diminuição

PUBLICIDADE

Por Ricardo Galhardo
Atualização:

O número de transplantes de rins, fígado, coração e pâncreas registrado em abril de 2020 é 34% menor do que no mesmo período do ano passado. Foram 410 transplantes realizados em abril deste ano ante 617 em 2019. Os números são da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) que relaciona a queda à pandemia do novo coronavírus.

“Com certeza a mortalidade na fila (de espera por transplantes) também já aumentou”, disse o presidente da ABTO, Hoygens Garcia.

Ventilador mecânico é utilizado em pacientes do coronavírus com problemas respiratórios. Foto: Benoit Tessier/Reuters

PUBLICIDADE

Segundo ele, medo de pacientes e doadores de se contaminarem no deslocamento até os hospitais, falta de leitos específicos em UTIs – já que a maior parte está reservada para pacientes com covid –, dificuldade de acesso às famílias de possíveis doadores, suspensão de vôos comerciais para transportar órgãos e até redução do número de mortes por trauma encefálico devido à queda do número de acidentes durante a quarentena colaboram para a diminuição dos transplantes.

Cirurgias envolvendo córneas e medula óssea foram praticamente paralisadas, com exceção dos casos de urgência. Em estados com menos casos registrados de coronavírus como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, o impacto foi menor. Mas nas regiões Norte e Nordeste, onde além da alta incidência da covid a estrutura para transplantes é mais precária, a redução passa dos 50%.

No Ceará e Pernambuco, por exemplo, os transplantes de rins foram suspensos. O resultado é que órgãos que poderiam ser usados em pacientes da própria região que aguardam há meses na fila do Sistema Nacional de Transplante, acabam sendo levados para outros lugares.

Na quinta-feira um jovem de 14 anos teve morte cerebral depois de sofrer um acidente de moto na região do Cariri, interior do Ceará. A família autorizou a doação dos órgãos. O fígado foi transplantado para um paciente de Fortaleza mas os rins do rapaz tiveram que ser trazidos até São Paulo para não serem desperdiçados. Os transplantes de rins na capital do Ceará, uma das cidades de referência no Nordeste, foram totalmente suspensos durante a pandemia.

Um dos maiores temores em relação aos transplantes é a possibilidade de que o doador esteja contaminado. Por isso, há algumas semanas, as secretarias estaduais de saúde adotaram o critério de priorizar os testes de PCR, mais precisos, em possíveis doadores de órgãos. “Isso começou em São Paulo. No comecinho não tinha teste. Hoje melhorou muito”, disse o médico Paulo M. Pêgo Fernandes, membro do conselho deliberativo da ABTO.

Publicidade

Segundo médicos especializados em transplantes, o principal motivo é o medo dos pacientes receptores de se contaminarem nos hospitais.

É o caso do advogado Carlos Alberto Melo Pereira, 69 anos, que mora em Natal (RN) e está em quarto lugar na fila para receber um transplante de fígado. Ele aguarda o órgão há um ano prefere ficar em casa, em segurança, do que se arriscar a uma viagem até Fortaleza, onde deve realizar o transplante.

“É um conflito interno total porque antes eu estava longe e agora que estou tão perto me sinto ainda mais longe”, disse ele. “Tenho condições de ir até Fortaleza mas para que vou sair da segurança da minha casa? Tenho muito medo. No caminho (de 10 horas) vou ter que parar para abastecer, me comunicar com as pessoas na estrada. E se a minha esposa pega (covid)? Aí ela não vai poder cuidar de mim e eu não vou poder cuidar dela”, lamentou.

De acordo com o presidente da ABTO, a redução do número de transplantes por medo da covid está provocando um aumento da demanda por hemodiálise. “Aí a pessoa corre mais risco ainda porque em alguns casos é preciso fazer quatro ou cinco sessões por semana”, disse Garcia.

PUBLICIDADE

No hospital Albert Einstein, onde é realizada grande parte dos transplantes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo, uma alternativa tem sido intensificar o uso da telemedicina.

“Este é um legado que a covid nos trouxe. Em termos de resultados vai trazer bons frutos. Depois que a pandemia passar podemos continuar aplicando a telemedicina em várias situações com muitos impactos positivos, inclusive a redução dos custos”, disse o pneumologista José Eduardo Afonso Júnior, coordenador médico do programa de transplantes do Einstein.

Segundo ele, por meio de chamadas de vídeo e aplicativos para celulares é possível hoje medir à distância funções como oxigenação, pressão e frequência cardíaca, entre outras, evitando que os pacientes tenham que se deslocar até o hospital ou consultório médico. O expediente tem sido usado para atender até pessoas que moram em outros países.

Publicidade

Segundo ele, dos mais de 3 mil transplantes realizados pelo Einstein desde o início da pandemia, 14 pacientes foram contaminados pelo coronavírus.

O Brasil é um dos países que mais realizam transnplantes no mundo, cerca de 30 mil por ano, sendo que a maioria é de rins (6,3 mil) e fígado (2,2 mil).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.