Três irmãos morrem em 3 dias com suspeita de coronavírus na Grande SP

Salete, de 60 anos, Paulo, de 61, e Clóvis, de 62, sentiram sintomas de covid-19 após festa familiar; ‘mente não quer acreditar que uma catástrofe tão grande aconteceu na mesma família’, diz filha de vítima

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Por Priscila Mengue
Atualização:

SÃO PAULO - “Sem exceção”, como bem frisa uma parente, os sete irmãos da família Vieira eram muito unidos, se encontravam com frequência e conversavam quase todos os dias pelo WhatsApp. Essa rotina foi quebrada apenas há algumas semanas, após uma festa de família, quando três deles começaram a sentir sintomas do novo coronavírus. Internados,  Salete, Clóvis e Paulo morreram em sequência, um por dia, em diferentes hospitais da região metropolitana de São Paulo.

Naturais de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, os sete irmãos já haviam perdido os pais há mais de 20 anos, mas permaneceram unidos, “bem próximos”, como descreve a zootecnista Rafaela Osera, de 33 anos, filha de Salete. 

Salete (à esquerda), Clóvis (de rosa) e Paulo (de branco) em passeio com irmãos, sobrinhos e cunhados Foto: Rafaela Osera/Arquivo pessoal

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A sobrinha conta que Clóvis Luiz Vieira, de 62 anos, dono de uma oficina mecânica, era o mais animado entre os irmãos. “Era o mais extrovertido, com toda a certeza. O que mais fazia brincadeira em festa, muito piadista. Meus primos amavam ficar conversando com ele, porque ele ficava zoando. Era uma pessoa com o espírito jovem.”

O outro irmão possivelmente vítima do covid-19 é o servidor público Paulo Roberto Vieira, de 61 anos. Mais introvertido, era conhecido pelo gosto pelo esporte, especialmente pela prática do ciclismo, em que costumava pedalar dezenas de quilômetros em um mesmo dia. 

Já Maria da Salete Osera, de 60 anos, era supervisora administrativa e descrita como uma mulher muito dedicada. Ela era a única dos três que tinha comorbidades (diabete e hipertensão). “A minha mãe e o tio Paulo eram mais reservados, pessoas muito organizadas, muito responsáveis, tinham um perfil um pouco diferente”, conta Rafaela, filha única de Salete. Clóvis deixou dois filhos e um neto, enquanto Paulo tinha um filho.

Os três irmãos e outros familiares e amigos se reuniram em uma festa com 28 pessoas em 13 de março. Um dia depois, Salete percebeu sinais do que parecia uma gripe muito forte. Nos dias seguintes, sintomas semelhantes foram relatados por outros 13 convidados. Todos tiveram febre e perda do olfato e do paladar, mas com níveis distintos de gravidade. 

Segundo Rafaela, nenhum dos convidados havia saído do País e do Estado de São Paulo neste ano, o que aumenta as suspeitas de contágio comunitário. Na data do evento, o País tinha apenas 98 casos confirmados da doença, sendo 56 em território paulista. “A gente acha que pode ter sido (na festa). Certeza não existe, muito menos de quem pode ser o vetor.”

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No caso de Salete, a suspeita do novo coronavírus surgiu apenas na terceira ida ao médico. Ela recebeu tratamento para gripe e infecção urinária da primeira vez. Na segunda experiência, fez diversos exames e, sem ter um novo diagnóstico, foi medicada e tomou soro. Por fim, na última vez, foi submetida a uma tomografia em que se constatou que tinha 60% do pulmão afetado, embora não sentisse falta de ar. “Aí definiram que ela seria sedada, entubada e mandada para a UTI. De um dia para o outro, a gente se viu com uma pessoa na UTI.”

Enquanto os familiares com sintomas menos graves melhoravam, os quadros clínicos dos três irmãos se agravavam. Salete morreu na quarta-feira, 1º, sendo enterrada no dia posterior, no qual Clóvis faleceu. Ele foi cremado na sexta-feira, 2, dia que Paulo faleceu, o qual foi enterrado na data seguinte. Todos tiveram caixão lacrado e não puderam ser velados, mesmo sem o resultados dos testes para o novo coronavírus.

“No cemitério (no enterro de Salete), estava todo mundo paramentado, com EPI, óculos, máscara, luva. Você não conseguiria reconhecer uma pessoa que estava ali”, comenta Rafaela. “(O corpo) já vai diretamente para o túmulo, enterra, faz uma oração e acabou. Não teve nenhum tipo de ritual.”

“Em um primeiro momento, às vezes, a gente não acredita, acha que seja mentira. Várias e várias vezes durante o caminho em que estava indo no hospital buscar ela (mãe), eu e o meu primo, a gente chegou a pensar que tinha sido um erro, que tinham confundido o nome dela, porque ela também se chama Maria. Então, poderia ser outra Maria”, recorda Rafaela.

“A mente não quer acreditar que uma catástrofe tão grande aconteceu na mesma família. E eu acho que o que piora um pouco essa situação da não aceitação, principalmente, é fato de a gente não poder ver o corpo, velar, fazer um enterro como normalmente faria”, aponta.

Rafaela diz que o foco no momento é amparar a família. “A gente está se segurando nos que restaram. A gente tem quatro (tios) que precisam do nosso apoio, e é nisso que a família inteira está pensando. Todos que faleceram tinham filhos, tinham cônjuges, e a gente tem que continuar vivendo.”

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