Pesquisas feitas na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Paraná (UFPR) encontraram uma incidência dez vezes maior na população das regiões Sudeste e Sul do País, principalmente nos Estados de São Paulo e Paraná, de um tipo raro de tumor, localizado no córtex adrenal, uma glândula que fica acima do rim. Enquanto a estimativa de ocorrência da doença vai de 0,2 a 0,4 por 1 milhão de crianças de até 15 anos, nesses locais os índices estão em 3 a 4 por 1 milhão. Ou seja, continua sendo um câncer bastante raro, mas quase dez vezes mais freqüente. A partir disso, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, junto com médicos da UFPR e do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, começaram neste mês a fazer, junto com o teste do pezinho, um outro teste nos recém-nascidos, para identificar a presença de uma mutação genética batizada de R337-H. Isso porque essa mutação aparece na grande maioria dos pacientes. ?Um conjunto de estudos comprovou uma alteração genética nessa região, que é predisposição para o tumor?, explica o oncologista Guilherme Parise, da UFPR e do hospital. Ele esclarece que não são todas as pessoas que têm a mutação que desenvolvem a doença, mas quase todos que têm o tumor também têm a mutação. O teste, feito só com autorização dos pais, tem dois objetivos. Primeiro, identificar crianças que nascem com a mutação para poder acompanhá-las e, caso necessário, detectar precocemente a doença, que no estágio inicial pode ser curada com uma cirurgia. O problema, hoje, segundo médicos, é que os casos têm sido diagnosticados tardiamente, o que diminui a chance de sobrevivência. Outro objetivo é mapear a herança genética da mutação. ?A gente agora está tentando descobrir o porquê da mutação. Sabemos que é hereditária. Mas não sabemos se está ligada a raça ou a fatores ambientais?, afirma. A doença, mais comum na infância, faz com que o organismo produza um excesso de hormônios, provocando sinais da puberdade, como nascimento de pêlos, em crianças e bebês. Dúvida ?A mutação existe e a incidência nessa região é muito maior do que no resto do mundo. Ela foi distribuída na população a partir de um ancestral comum, por isso uma hipótese é que tenha origem européia?, explica a endocrinologista Ana Claudia Latronico, pesquisadora da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento da USP e uma das pioneiras no estudo dessa mutação no País. ?É uma doença pouco estudada, então como temos experiência no tratamento, viramos referência.? No entanto, ela questiona a iniciativa do Paraná. ?Discute-se hoje qual o melhor aconselhamento familiar. É complicado para a mãe lidar com o diagnóstico. O teste não dá a certeza da doença, indica que ela pode ocorrer. Então a família fica com uma bomba nas mãos. É uma informação difícil de trabalhar?, afirma. ?Por outro lado, pode ser benéfico se forem feitos exames anuais nas crianças e assim ajudar a fazer o diagnóstico precoce.? Para Paula Regina Pazino Cardoso, mãe de Rebeca, de 8 meses, o resultado do teste foi perturbador. ?Foi um baque muito forte na hora. Só depois que entendi o que queria dizer e que ela agora vai fazer exames de quatro em quatro meses como uma prevenção?, diz. No caso de Anna Diane Caroline Felde, mãe de Kaua, de 6 meses, o teste foi um pedido da própria família. ?Minha irmã teve o câncer com 1 ano e meio, foi quando a gente ficou sabendo o que era isso. Ela fez a cirurgia, tirou um rim e ficou boa. Na época, descobrimos que a família toda tinha a mutação?, conta. ?Por isso, quis que meu filho fizesse, e agora que sei que ele também tem, ele vai ser acompanhado. Não quero que passe pelo mesmo que minha irmã passou quando era pequena.?