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Um homem melhor?

Não deixa de ser curioso notar que o passado da mulher deixe o homem ainda tão ameaçado

Por Jairo Bouer
Atualização:

Nesta semana me deparei com duas situações que se relacionam e motivaram uma reflexão que gostaria de compartilhar com vocês, leitoras desta coluna e, em especial, com meus leitores. O tema gira em torno do que é ser homem hoje na visão do próprio público masculino jovem. Explico.

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Há cerca de seis meses tenho um canal no YouTube que discute basicamente questões de saúde, sexualidade e comportamento com jovens. Com a migração dos mais novos da mídia impressa para a televisão e rádio e, mais recentemente, para as mídias digitais, conversar com eles em maior escala é possível quando se usa estratégias nas redes sociais.

O canal é modesto, pequeno, mas está lá para tentar informar e desconstruir preconceitos. Nosso público, segundo as estatísticas, é majoritariamente masculino (71%). O canal é mais assistido por pessoas de 18 a 24 anos (44%) e de 25 a 34 anos (40%). O que esperar da audiência? Mais aberta e arejada ou ainda conservadora?

Uma estratégia comum nessa rede social é gravar vídeos em colaboração com outros canais. Fizemos já essas “colabs” com canais femininos e masculinos. Um deles é o MHM (Manual do Homem Moderno), que basicamente conversa com esse “novo homem”, que está tentando se posicionar em uma sociedade em que a mulher mudou muito. O vídeo produzido com o MHM (temos cerca de 40 postados no canal) foi o que causou as respostas mais coléricas. Foi justamente aquele em que discutimos o peso que o passado da parceira ainda tem na vida dos garotos. Achei, no mínimo, surpreendente e revelador.

Lógico que no momento que vivemos, em que tudo está tão polarizado, é esperado que as pessoas vão para as redes sociais para brigar e não para dialogar. Além disso, é no espaço das mídias digitais que um certo anonimato dá para os “haters” a sensação de que eles podem dizer o que bem entendem. Mesmo assim, não deixa de ser curioso notar que o passado da mulher ainda deixe o homem se sentir tão ameaçado a ponto de proferir ofensas para todos os lados. Dos publicáveis, fomos chamados de otários, “mangina” (homem que se submete ao poder da vagina), “cuckhold” (referência aos pássaros que criam, sem saber, os filhotes de outro – homens que são cornos), “escravocetas”, afeminados, cafetões, lixo humano, perdedores, castrados, direitinhas inseguros, etc. As meninas que já tinham experiência sexual anterior foram chamadas de “tambor de gala”, prostitutas, rodadas, promíscuas, imprestáveis, interesseiras...

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Várias são as questões que mais incomodam os jovens mancebos: a garota ter mais experiência e não se convencer com o desempenho deles, o medo de ser trocado por outro, o receio de criar o filho de outro e ser taxado de “trouxa”, o entendimento de que uma mulher que já ficou com outro fere a masculinidade deles, entre outras. Já as garotas são vistas como manipuladoras, perversas, interesseiras, que se divertem por aí e na hora de ter um relacionamento procuram alguém que possam dominar, controlar, etc. 

Não deixa de ser uma visão que reforça estereótipos que a gente imagina já ultrapassados. A experiência e o empoderamento feminino são vistos como ameaça e afronta. Percebem o tamanho da insegurança? Essa situação pode trazer reflexos diretos na vida dos casais como dificuldades de relacionamento, problemas sexuais...

Uma mensagem que recebi por outra rede social na última semana mostra uma faceta ainda mais perversa. Um jovem se casou com uma mulher que tinha três garotas de um casamento anterior. O pai biológico abandonou a mãe e as crianças e o jovem que as criou desde pequenas gosta delas como filhas. Em uma visita recente à casa do avô paterno, uma das meninas (de 5 anos) teria sido vítima de abuso sexual. Ao procurar a polícia, o jovem sentiu uma resistência das autoridades em atender um pai de filhas de outro homem.

Colegas de trabalho também olham com desconfiança. Não consigo deixar de pensar que essas violências todas, em que a principal vítima continua a ser a mulher, têm raiz nesses persistentes preconceitos de gênero. Sem um processo de educação nas escolas que discuta essas questões e mude mentalidades, esse processo não vai parar! Falar de gênero e direitos iguais não faz um homem ser menos homem, mas pode torná-lo, sim, homem melhor! 

* É PSIQUIATRA

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