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Universidades usam realidade virtual para tratar estresse pós-traumático

Com óculos especializados, paciente vê reconstruído cenário onde viveu trauma para poder superá-lo. “Isso me ajudou a reviver a situação de maneira segura”, conta bancária, que desenvolveu transtorno após ser vítima de cinco assaltos no trabalho

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:
Recuperação. Fabiana Silveira só conseguiu entrar de novo em uma agência bancária depois da terapia de exposição Foto: Gustavo Roth

Vistos como forma de entretenimento por alguns, os óculos de realidade virtual estão sendo utilizados também no tratamento de problemas de saúde, como traumas e fobias. Pesquisadores de duas universidades brasileiras já utilizam a tecnologia na assistência a pessoas com estresse pós-traumático ou medos, como o de avião.

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A técnica virou uma aliada ao tratamento convencional para esses tipos de transtorno, baseado em sessões de terapia cognitivo-comportamental, nas quais o paciente é orientado a reviver as situações que lhe trazem medo ou angústia.

“Na terapia tradicional, a gente faz o paciente entrar em contato com as memórias por meio da imaginação e do relato. Ao ser ‘exposto’ à situação novamente, a ideia é que ele, aos poucos, construa uma nova memória do acontecimento e que essa memória não venha mais acompanhada pelo medo”, explica Christian Kristensen, professor titular do programa de pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O problema, diz o especialista, é que algumas pessoas têm dificuldades em reviver essas lembranças só na imaginação. Em palestra realizada no World Congress on Brain, Behavior and Emotions - congresso sobre o cérebro realizado em Porto Alegre no mês passado -, Kristensen apresentou detalhes sobre o trabalho que tem feito com vítimas de assalto a bancos. “No cenário criado para o software, o paciente pode se colocar no lugar de gerente, caixa do banco ou cliente. Ele passa por uma série de situações características de uma agência bancária até que entra um personagem e anuncia o assalto”, conta ele. “As primeiras versões dos cenários que trabalhamos eram menos requintadas. O que começamos a usar no ano passado tem um nível de interação maior. Até os postes e placas de rua do entorno da agência lembram a cidade de Porto Alegre”, diz o especialista.

Os pacientes passam por seis sessões semanais da chamada terapia de exposição por realidade virtual, além de sessões de terapia convencional. De acordo com ele, uma possibilidade do tratamento é a pessoa se expor à situação real, mas isso tem riscos, porque o terapeuta não está presente. E, se houver novo episódio que provoca estresse - como outro assalto -, as memórias traumáticas ficarão muito consolidadas. 

Recuperação. A realidade virtual ajudou a bancária Fabiana Albernard Silveira, de 41 anos, a retomar parte de sua rotina após sofrer cinco assaltos. “O pior episódio foi em 2012, quando os bandidos entraram com fuzis, botaram a arma na minha cabeça, me chutaram, balearam um segurança e quebraram a mandíbula de outro”, conta ela.

Mesmo após o roubo, a gaúcha continuou trabalhando no ramo, mas foi vítima de outros três roubos. Chegou a ser transferida para uma agência dentro de um shopping, onde acreditava estar mais segura, mas acabou vítima de um novo assalto. Em 2014, entrou em licença por causa de um quadro de estresse pós-traumático.

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“Tinha emagrecido 12 quilos, não dormia. Fiz tratamento, mas só no ano passado conheci a terapia de exposição por realidade virtual. Me ajudou a reviver a situação de uma maneira segura. Só depois disso que eu consegui ir a uma agência bancária novamente. Já fui duas vezes ao shopping, saí com amigos”, conta Fabiana.

Medo de voar. No Laboratório de Trauma e Medo do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a realidade virtual já foi usada de forma experimental com motoristas de ônibus que passaram por situações que causam estresse - como assaltos, sequestros ou atropelamentos - e começa a ser utilizada também na assistência a pacientes com medo de avião.

“Em agosto, deveremos iniciar um estudo com cerca de 80 pessoas no qual metade vai fazer só a terapia e a outra metade também contará com o auxílio da realidade virtual”, conta Paula Ventura, professora associada dos Institutos de Psicologia e Psiquiatria da UFRJ e coordenadora de laboratório. “Por meio dos óculos, a gente consegue simular desde o saguão do aeroporto até o momento do voo, com episódios como tempestades e turbulência.”

Ela diz que estudos internacionais mostraram que, para essa situação, o uso da realidade virtual tem se mostrado mais eficaz do que somente a realização da terapia. “A situação de imersão que a pessoa se coloca faz o cérebro entender que está vivendo novamente aquela realidade de forma não ameaçadora”, afirma Paula.

Terapia é comum em centros da Europa e EUA

Tecnologia ainda pouco utilizada no tratamento de transtornos psiquiátricos no Brasil, os equipamentos de realidade virtual são usados em maior escala em centros de saúde dos Estados Unidos e da Europa.

O próprio governo americano investe na técnica para tratar veteranos de guerra que desenvolveram estresse pós-traumático. “Eles criaram cenários para combatentes que estiveram no Iraque e no Afeganistão. Os softwares de lá são muito impressionantes.

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Reproduzem não apenas as cenas, mas também situações como o cheiro de combustível queimado, os ruídos característicos do ambiente, o local exato onde a bomba explodiu”, conta Paula Ventura, professora associada dos Institutos de Psicologia e Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Trauma e Medo da instituição. “O problema é que o desenvolvimento de tudo isso é muito caro”, afirma.

Segundo a especialista, os americanos têm, além dos óculos, estruturas que reproduzem até o movimento dos tanques de guerra nos casos das simulações de batalhas.

Ainda nos Estados Unidos, os softwares também têm sido utilizados no tratamento de traumas dos sobreviventes dos atentados de 11 de setembro de 2001, quando as torres gêmeas do World Trade Center, na cidade de Nova York, foram atingidas por aviões comandados por terroristas.

Fobias. Fora do Brasil, a técnica também é opção terapêutica para pacientes com fobias. Além de pacientes com medo de avião, são tratadas com a realidade virtual pessoas com fobia a animais e insetos e indivíduos com transtornos de ansiedade social, como os que provocam medo de falar em público.

Segundo Christian Kristensen, professor do programa de pós-graduação em Psicologia da PUC-RS, a tecnologia também está sendo estudada para tratar vítimas de agressão e abuso sexual. 

“À medida que esses dispositivos ficam mais verossímeis e mais baratos temos maior chance de utilizá-los para diferentes situações”, afirma ele. “Antes, era algo caro e limitado. Hoje, vemos alguns centros no mundo usando até para transtornos alimentares e de ansiedade.” 

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