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Uso de placebo em pesquisas divide opinião de médicos

Alguns médicos defendem que substância inócua não seja usada quando já existe tratamento aprovado

Por Fabiane Leite
Atualização:

Integrantes do Conselho Federal de Medicina e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa defenderam, nesta terça-feira, 19, que o uso de substâncias inócuas (placebos) em pesquisas de medicamentos com seres humanos seja banido em todo o mundo, quando já houver tratamento estabelecido. O placebo é utilizado atualmente como meio de comparação em testes de diferentes remédios, mesmo no caso de doenças que já têm terapias definidas, o que pode levar participantes das pesquisas que recebem a substância inócua a ter piora em seu estado de saúde, alertaram os representantes do CFM e da Conep. As declarações de Dirceu Greco, integrante da comissão e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, e de Edson Oliveira Andrade, presidente do conselho, geraram polêmica durante o Fórum de Ética em Pesquisa, em São Paulo, evento que pretende contribuir para o posicionamento do Brasil no processo de revisão da Declaração de Helsink, que em 1964 estabeleceu os princípios para os estudos com humanos no mundo. Nota de esclarecimento incluída em 2004 na declaração enfatizou que os placebos podem ser utilizados mesmo quando há opção de tratamento em duas situações: para avaliar a segurança da droga e em casos onde a substância inócua não traz riscos graves e irreversíveis aos pacientes, o que abriu caminho para a ampliação do seu uso. De acordo com Greco a nota, que poderá ser incorporada à declaração no processo de revisão, só foi inserida após pressões da indústria farmacêutica, e o Brasil deverá defender sua remoção. "Quando flexibiliza é para tornar pior", disse Greco. "O que é um risco sério e irreversível? Esta nota enfraquece a declaração", continuou. Ainda de acordo com ele, há resistência das empresas farmacêuticas em comparar novas drogas com terapias  estabelecidas. "Se os resultados do novo remédio forem ruins, eles irão fazer propaganda do remédio que já é vendido". "Não existe justificativa ética para flexibilização", disse Oliveira, do CFM. "É temerário, é burrice." Segundo Greco a Conep, instância de avaliação de pesquisas clínicas do Ministério da Saúde, já veta hoje estudos com placebos quando há outro tratamento, e em 1º de agosto o órgão aprovou resolução para reforçar isto. "Mas há enorme pressão para que o Brasil mude de posição. Se padrões éticos forem diminuídos, será difícil sua recuperação." A resolução ainda não foi homologada pelo Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que segundo sua assessoria ainda não se decidiu sobre o tema. REAÇÃO Outros pesquisadores participantes do debate reagiram às declarações e alertaram que os placebos são essenciais para. garantir o avanço da ciência e o tratamento adequado aos pacientes. Segundo o psiquiatra Marcio Versiani, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, eles foram essenciais para evitar que tratamentos inseguros e ineficientes fossem aplicados em doentes mentais, caso do uso da diálise contra a esquizofrenia, rechaçada após comparações com a ausência de terapia. Ainda de acordo com ele, as substâncias inócuas foram essenciais para se verificar que muitos antidepressivos têm ação inferior à do placebo. "Não é privação do tratamento, porque mesmo quem recebe o placebo tem monitoramento." "Tenho orgulho de ter participado de estudos com placebo", afirmou Artur Beltrame Ribeiro, pesquisador da área de hipertensão. Outro ponto sem consenso do debate foi o da necessidade de acesso dos sujeitos de pesquisa ao melhor tratamento, de acordo com os resultados do estudo. Outra nota da declaração,  também pendente de revisão, flexibiliza este ponto, permitindo aos patrocinadores do estudo definir o que irão ofertar. Representantes da Associação Médica Mundial iniciam nesta quarta-feira, 20, também na capital paulista, um debate com comitê de especialistas brasileiros, a última rodada de discussões antes de assembléia em outubro que irá referendar as mudanças.

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