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Vacina de Oxford é tão boa para idoso quanto para jovem, diz cientista que coordenou testes

Diretora do grupo de imunizantes da Universidade de Oxford pede paciência e diz que dados sobre eficácia do imunizante a pessoas acima de 65 anos será apresentado em breve; debate sobre o tema aumentou na Europa

Por João Prata
Atualização:

Coordenadora dos ensaios clínicos da vacina de Oxford/AstraZeneca no Brasil, Sue Ann Costa Clemens disse ao Estadão que a falta de dados sobre a eficácia da vacina de Oxford em idosos não significa que essa população deva ficar sem o imunizante.  A discussão sobre a eficácia da vacina em idosos começou na Europa, após a Alemanha dizer que não pretende aplicar essa vacina na população acima de 65 anos. O Reino Unido, que já liberou o uso emergencial, garantiu que seguirá sem restrições.

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No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também liberou o uso emergencial sem contraindicações. Na quinta-feira, 28, Ministério Público Federal solicitou à agência e à Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), que será responsável por fabricar o imunizante de Oxford no Brasil, dados de eficácia do produto em idosos.

A vacina já demonstrou resultados satisfatórios sobre segurança e também em relação a imunogenicidade, a capacidade que uma vacina tem de estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos. "A resposta imune é tão boa para quem tem acima de 70 quanto para os mais jovens", diz Sue Ann, também professora e diretora do grupo de vacinas da Universidade de Oxford e diretora do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena (Itália). Para determinar os dados sobre eficácia em idosos, no entanto, ainda é necessário mais tempo. 

Até agora, dois milhões de doses do imunizante de Oxford já foram distribuídos pelo Brasil. A Fiocruz prevê receber os insumos para a produção de mais unidades por volta de 8 de fevereiro e entregar outro lote ao Ministério da Saúde em março. Para a pesquisadora, entender os potenciais e limitações das vacinas também é importante para definir estratégias de aplicação de doses em diferentes grupos pelo Brasil. Leia a entrevista:

Sue Ann Costa Clemens, coordenadora dos centros de pesquisa da vacina de Oxford no Brasil e diretora do Instituto para a Saúde Global da Universidade de Siena (Itália) Foto: Wilton Junior/Estadão

O que achou dessa ação do MPF (que cobra os dados de eficácia em idosos)?

Apresentamos todos os dados até 4 de novembro. Há uma grande diferença no desenvolvimento das vacinas. Os produtores têm mostrado resultados que, em geral, não são mostrados até terminar a fase três. Existem nuances dentro desse período. Os subgrupos de estudos estão em andamento e os dados serão apresentados conforme saírem os resultados. 

Com os dados existentes é possível garantir que a vacina é segura para todas as faixas etárias?

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A vacina é segura. Vale lembrar que mais de 17 países já aprovaram a vacina para uso emergencial ou registro a partir de 18 anos. O estudo de imunogenicidade demonstrou resultado satisfatório em todas as faixas etárias. Isso, de certa maneira, vai refletir na eficácia.

Há previsão de quando haverá dados sobre a população idosa?

O que precisa ficar claro é que a maior parte dos estudos ainda não teve tempo de incluir, em praticamente seis meses, o grupo de idosos. Não houve tempo necessário para acompanhar e mostrar grande número de casos. 

Como é o processo de um teste de vacina?

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O estudo clínico em segurança, a fase 3 (dos testes da vacina), começa com adultos saudáveis, de 18 e 55. Depois que os dados desse grupo são analisados por um comitê de segurança independente, começam a ser testados um novo grupo, de 56 a 69 anos. Há uma nova análise. E só depois são aplicadas em quem tem mais de 70. É quando já deu para provar que existe eficácia. Mas os idosos demoram mais tempo para termos esse retorno porque é um grupo que ficou protegido, que tem menos contato, por isso tem menos casos. 

Por que acha que a Alemanha se antecipou à decisão da União Europeia e avisou que não vacinará idosos com o imunizante de Oxford/ AstraZeneca?

Liguei a um membro da Stiko (comitê de vacina alemão). Os alemães, como todos os comitês pelo mundo, estão se reunindo frequentemente. Não se analisa de uma hora para outra o que vai ser feito, qual será a estratégia de vacinação. A informação vazou para a imprensa. Não era para ter vazado. A União Europeia ficou chateada. A Stiko não divulgou oficialmente nada ainda.

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Acredita que a decisão alemã tem relação com o fato de terem aprovado uso para as vacinas da Pfizer e Moderna, que já apresentaram resultados significativos para uso em idosos?

Sem dúvidas. Tem também uma vacina alemã sendo produzida, pode existir também um certo protecionismo nacional. Mas não houve ainda um pronunciamento oficial da Stiko. Cada país tem sua estratégia para vacinação. Por isso existe saúde publica. Pensar o que usar melhor, em qual população, com base nos dados existentes. 

O Brasil, por enquanto, não tem alternativas pois só tem disponíveis as vacinas de Oxford e a Coronavac (cujos dados também não permitem determinar a eficácia em idosos)...

O Brasil pode pensar em alternativas. Se existe uma vacina que a proteção se inicia mais rápido, seria importante usá-la na população de Manaus. Esse é o grande diferencial. Se tem uma proteção que começa com 22 dias enquanto outra começa com 44 dias é importante utilizá-la em um local que esteja com maior número de casos e, assim, diminuir com maior rapidez o colapso no sistema de saúde. A de maior tempo  seria destinada à população do Sudeste. É um exemplo do que pode ser feito. Se a vacina for menos eficaz para idosos, que seja utilizada nos mais jovens com comorbidades primeiro. 

Como foram os testes da vacina da Astrazeneca no Brasil?

Fizemos estudo com 10,4 mil voluntários. Começamos no fim de junho e, para você ter ideia, só incluímos os idosos em outubro. Começamos com profissionais de saúde mais jovens, com saúde. Tivemos quatro meses para analisar idosos. Não houve tempo necessário para aplicar as duas doses e seguir os casos. Demora mais para vir mesmo.

Como vê nas redes sociais as pessoas que desconfiam das vacinas?

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É muito triste, porque é um trabalho hercúleo de todos os profissionais no grupo de estudo. Profissionais que doaram um ano de trabalho nessa pesquisa. Tem de ter mais respeito pela ciência. Precisa haver mais confiança de que estamos dando condução ao estudo e tudo leva tempo. Se não tivesse resposta imune, tudo bem questionar. Mas existe para todas as faixas etárias. Ela é tão boa para quem tem acima de 70 quanto para os mais jovens. Só que resultados mais específicos demandam maior tempo.

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