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Vacinação infantil contra covid-19 tem ritmo lento e sofre com falta de doses

Metade das crianças de 3 a 11 anos não receberam sequer a primeira aplicação, o que preocupa especialistas. Hesitação dos pais também afeta avanço da campanha nacional

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Por José Maria Tomazela
Atualização:

A vacinação infantil contra a covid-19 tem avançado em ritmo lento no País. De cada três crianças com idade entre 3 e 11 anos, apenas uma está com a imunização completa, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa. Metade das crianças dessa faixa etária não recebeu sequer uma dose. Por trás do problema está a falta de doses disponíveis, o que fez cidades interromperem a aplicação, e a hesitação de parte dos pais. 

Especialistas alertam que a vacinação é importante pois a covid-19 pode ser grave em crianças. No Distrito Federal e na cidade do Rio de Janeiro a vacinação na faixa etária de 3 e 4 anos foi interrompida devido à falta de vacina. O Ministério da Saúde informou que está em tratativas com fornecedores para comprar mais doses.

Mariane Canário, de 12 anos, é vacinada na na UBS República, na Praçado Patriarca. Foto: Helcio Nagamine/Estadão

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Nas 24 horas entre terça-feira e quarta-feira, segundo dados do consórcio, apenas 11 mil crianças foram vacinadas com a primeira dose, totalizando 13,5 milhões de vacinados com a dose inicial (51,14%). A população nessa faixa etária é de 27 milhões de crianças, segundo o IBGE. Já a segunda dose foi aplicada em 12 mil, chegando a 8,7 milhões de imunizados (32,97%), segundo números divulgados nesta quarta-feira, 10.

Para crianças de 3 a 5 anos, a vacinação foi liberada em 13 de julho último pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ainda não há um recorte estatístico. Na faixa etária de 12 a 17 anos, o índice de adolescentes totalmente vacinados sobe para 53,8%, mas ainda está distante da média nacional. No País, 84,59% da população vacinável (78,82% da população total) estão totalmente imunizados, embora apenas 56,68% tenham recebido a dose de reforço.

Conforme o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Juarez Cunha, já vinha sendo observada uma preocupante baixa na cobertura vacinal no público mais jovem, que agora está sendo agravada pela falta de vacina para crianças. "Isso era previsível, pois quando foi licenciado o uso, o Ministério da Saúde não estava fazendo compras e os estoques eram baixos", disse. 

Segundo ele, foi sugerido o remanejamento de doses extras ou excedentes para esse público, mas não resolveu. "As notícias que nos chegam são de que em vários lugares a vacinação de crianças não começou por falta de vacina", disse.

Nesta terça-feira, 9, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro paralisou a vacinação de crianças de 3 e 4 anos com a primeira dose, alegando que o Ministério da Saúde não enviou novos aportes de Coronavac solicitados desde o mês passado. "A aplicação da segunda dose para este público, prevista para iniciar em 13 de agosto, está garantida com a vacina reservada especificamente para esse fim", disse a pasta.

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De 15 de julho a 8 de agosto, as unidades de saúde do Rio vacinaram 39.319 crianças dessa idade com a dose inicial da Coronavac, única autorizada até agora pela Anvisa para uso neste público. Quando a imunização desta faixa etária foi aprovada pela agência federal, o município do Rio tinha doses da vacina em estoque, o que permitiu o início imediato da aplicação. 

Com a primeira dose, foram vacinadas apenas 25% das crianças de 3 e 4 anos. "Apesar das solicitações de novos aportes, neste momento não há previsão de quando nova remessa será enviada pelo Ministério", informou a secretaria.

Outros municípios do estado do Rio de Janeiro também já ficaram sem doses para as crianças. "Como os municípios já possuíam volumes em estoque nas suas salas de vacinação, a oferta da vacina para essa faixa etária ocorreu conforme estoques municipais. A SES aguarda a aquisição e a entrega de novas doses pelo Ministério da Saúde para distribuições complementares aos municípios do estado", informou a Secretaria Estadual de Saúde.

No Distrito Federal, a aplicação da primeira dose contra covid-19 para crianças de 3 e 4 anos está suspensa desde o último dia 3. O motivo é a falta de doses de Coronavac. Segundo a pasta, há apenas 4 mil doses dessa vacina, todas para uso como segunda aplicação. Até a manhã desta quarta-feira, 10, não havia previsão para a chegada de novas doses. 

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Conforme o governo estadual, Mato Grosso atrasou o início da vacinação por falta de vacina. Das 113.328 crianças a serem vacinadas, apenas 1.176 (1,04%) já receberam a primeira dose. No Piauí, o índice de vacinação nessa faixa etária é de 2,37%. Em Maceió, capital de Alagoas, a vacinação não andou: de 58.535 crianças na fila, só duas foram vacinadas por terem comorbidade.

'Sem dúvida está faltando vacina', diz especialista

Para o presidente do departamento científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renato Kfouri, há 5,8 milhões de crianças na faixa de 3 a 5 anos e são necessárias quase 12 milhões de doses. 

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"Não temos isso no Brasil. Não há essa produção no Butantan, a Sinovac não importou, a Covax Facility não trouxe e a gente está trabalhando com as doses residuais que sobraram das campanhas de adultos. São Paulo não está vacinando de rotina crianças de 3 a 5, mas apenas as crianças de alto risco e abrindo a xepa de vacina para as outras. Sem dúvida está faltando vacina", disse.

Kfouri lembrou que a Pfizer submeteu para aprovação a vacina dela para crianças de 6 meses a 4 anos e a expectativa é de que seja aprovada pela Anvisa. "Se vai ser aprovada, já devia ser motivo de o Ministério comprar essas doses pediátricas de bebês para não acontecer o que está acontecendo. Espera aprovar para só depois comprar e aí fica sem as doses. Quem tem vacina, tem de guardar para a segunda dose, pois são pouquíssimas as doses disponíveis hoje", afirmou.

Já o dirigente da SBim avalia que o número baixo de crianças vacinadas é consequência da desinformação e das fake news. "Houve a propagação de notícias falsas sobre efeitos das vacinas, além de o próprio Ministério da Saúde ter desestimulado a vacinação na infância. Se já tínhamos a hesitação dos pais, a partir do momento em que eles recebem recados de desconfiança sobre a vacina, isso impacta nas coberturas vacinais. O início da vacinação de adolescentes, por exemplo, foi desastroso devido a esse impacto."

Mães relatam receios; especialistas reforçam segurança e eficácia da vacina

A diarista Isaura Batista, de 44 anos, moradora da Vila João Romão, em Sorocaba, interior de São Paulo, só levou a filha Victória, de 7 anos, para vacinar contra a covid porque a escola exigiu. "Eu estava com medo de vacinar porque falaram que podia dar efeito ruim nela, pois teve caso de criança que ficou doente. Como a escola pediu, eu levei e ela recebeu a primeira dose. Já entreguei o comprovante para a escola", disse. 

A dona de casa Geovana Rafaela Oliveira, de 22 anos, residente na Vila Zacarias, outro bairro da cidade, ainda não vacinou seu filho mais velho, o menino Kauã, de 4 anos. "Não sabia que tinha chegado a vez dele. Estive no posto para tomar minha segunda dose, que estava atrasada, mas não vi nenhuma informação sobre a vacinação para os mais pequenos." Ela tem também um bebê de seis meses, que está fora do público apto a ser vacinado.

Conforme a infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp, consideram-se imunizadas todas as pessoas acima de 18 anos com três doses de vacina. "Essa porcentagem já é baixa, menor que 80%, e particularmente reduzida abaixo de 40 anos. Com isso, a gente pode antever que, se as pessoas de 20 a 40 anos não fizeram sua dose adicional, a chance de levarem seus filhos para serem vacinados acaba se tornando muito remota", disse.

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A especialista também atribui a baixa adesão entre as crianças à propaganda que houve nas mídias sociais questionando a necessidade de vacinação nessa faixa etária e sobre a segurança na vacina. "Todas as informações equivocadas, falsas e distorcidas que foram divulgadas desde a esfera federal, até por médicos, foram responsáveis pela não vacinação. Os pediatras compartilham conosco a grande preocupação com os pais que se recusam a vacinar as crianças por não terem a percepção da gravidade da covid nas crianças, o quanto ela pode impactar em relação a casos graves e ser causa de morte, ou mesmo da covid longa.

"Segundo Raquel, mesmo os pais com um nível mais alto de educação não têm a percepção do risco, o que acaba refletindo na baixa adesão das crianças à vacinação contra a covid, além de outras vacinas. "As crianças já deviam estar totalmente vacinadas. Além da desinformação sobre a gravidade da covid para elas, temos a informação equivocada de que as vacinas não seriam efetivas sobre a sub variante da ômicron, o que não é verdade. A divulgação do benefício da vacinação se perdeu no caminhar da pandemia, devido ao controle mais adequado, com redução no número de casos e de mortalidade. Mas ainda temos mais de mil mortes por semana e é um número com o qual a gente não deveria estar se acostumando", alertou.

O alerta sobre a importância de vacinar as crianças é feito também pelo presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. "Só em 2022, tivemos 15 mil hospitalizações de crianças e adolescentes por covid e já são 638 óbitos. Se pegarmos de março de 2020 a junho de 22, vamos ter mais de 50 mil internações e cerca de 2.500 óbitos. Infelizmente a desinformação e a fake news contribuíram muito para esses números", disse Kfouri.

Ministério diz negociar a aquisição de mais doses

Sobre a falta da vacina Coronavac, fabricada no Brasil pelo Instituto Butantan, o instituto informou que, após a aprovação pela Anvisa da vacina para crianças dos 3 aos 5 anos, já importa a quantidade de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para produzir as doses e atender ao esquema vacinal primário completo de toda a população brasileira desta faixa etária. A decisão foi tomada para disponibilizar, o mais rápido possível, o imunizante ao Ministério da Saúde. A previsão de entrega pelo instituto é em meados de setembro. "O Butantan dialoga constantemente com o Ministério e aguarda posicionamento oficial da pasta sobre as ofertas de venda da vacina Coronavac ao Programa Nacional Nacional de Imunizações", disse.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que está em tratativas para aquisição do imunizante com maior celeridade, de acordo com a disponibilidade de entrega das doses pelos fornecedores. "A pasta reitera a disponibilidade de outras vacinas contra a covid-19 para o público acima de 5 anos e reforça a necessidade de estados e municípios cumprirem as orientações pactuadas para garantir a imunização da população brasileira", disse. Informou ainda que acompanha com atenção o andamento da vacinação em todos os públicos e já distribuiu mais de 519 milhões de doses de vacinas covid-19 de forma proporcional entre os estados.

A nota afirma que a vacinação contra a Covid-19 no Brasil possui uma das maiores taxas de cobertura. "Mais de 83,5% da população com ao menos a primeira dose e 77% com a segunda dose ou dose única. A dose de reforço já foi aplicada em mais de 102 milhões de brasileiros. E a segunda dose em 16,5 milhões. Entre o público de 3 a 11 anos, mais de 14 milhões de doses já foram aplicadas", disse. O Ministério reforçou a importância da segunda dose e da dose de reforço para garantir a máxima proteção contra o vírus em recomendou que estados e municípios realizem a busca ativa para vacinar a população que ainda possui doses em atraso.

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