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Verdades e mentiras do ‘glow up’, inventado para melhorar sua imagem

O desafio do ‘antes’ e ‘depois’ nas redes, para revelar como sua aparência melhorou, pode ser apenas um jogo que não mostra quem você

Por Enzo Kfouri e Gabriela Meireles
Atualização:

Glow up.” Talvez você já tenha ouvido essa expressão, especialmente se anda percorrendo os vídeos do TikTok e outros. Tendência entre as blogueiras mundo afora e cada vez mais presente aqui do Brasil, o glow up se traduz em algo como adotar uma série de mudanças na sua rotina que podem “melhorar” sua aparência e estilo de vida.

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“O glow up acabou se tornando um desafio nas redes sociais, nas quais diversos usuários consomem e viralizam esse desafio do ‘antes e depois’, para mostrar como você ‘evoluiu’ de aparência”, explica Liliah Angelini, executiva da WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo.

Começar a meditar, beber mais água, ficar de olho na alimentação e praticar mais exercícios são algumas das dicas que as influenciadoras dão para quem quer se sentir mais atraente e ter uma vida supostamente mais saudável em pouco tempo.

@giuliavanelli Dicas práticas ✨ bora? Vem que chegou a hora do seu glow up #glowup #dicas ♬ som original - Giulia Vanelli

O problema da corrente é justamente que as “melhorias” prometidas com a rotina não são reais, como explica Luiza Voll, fundadora do Grupo Contente.vc, que analisa as relações na internet e atua por uma rede mais saudável para os usuários. “Os corpos, o estilo de vida e toda construção estética reforçada pelo glow up é, na maioria das vezes, impossível de se alcançar tendo uma rotina de cuidados comuns.”

De acordo com a influenciadora Marieli Mallmann, que conta com mais de 170 mil seguidores no Instagram, o glow up, como disseminado na internet, não passa de uma farsa. “Encontramos nas tendências e estéticas divulgadas na internet uma forma de fazer parte de algo e é por isso que é tão fácil cair no jogo de fingir e nos mostrar de forma diferente para o mundo – como gostaríamos de ser, não como realmente somos”, adverte. 

Influenciadora Marieli Mallman sugere a seguidores rotinas menos performadas – e que evitem filtros Foto: Werther Santana/Estadão

Por esse motivo, Marieli deixou de fazer uso dos filtros para gravar conteúdos. “Chegamos a um ponto em que construímos cuidadosamente essa vida online que, às vezes, não tem nada a ver com nossas vidas reais. Desde 2020 eu não uso mais filtros de redes sociais. Nem mesmo os que alteram só as cores da imagem, que dirá os que alteram o meu rosto. Minha relação com minha imagem mudou muito.”

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Para Luiza, é importante que o usuário entenda o limite entre querer se tornar mais saudável e se pressionar para se enquadrar em um padrão de beleza vigente. “A gente adora se cuidar e ver que com o tempo ganhamos aquele glow. Quem não quer aparentar sua melhor versão, ainda mais nas redes sociais? Mas precisamos observar se essas narrativas estão nos fazendo bem e nos divertindo, ou se estão ativando algum gatilho, alguma emoção incômoda demais”, diz.

CONTROVÉRSIAS

Quando postamos algo nas redes sociais, editamos, ajustamos e adaptamos para que a publicação represente a nossa melhor versão. Com o glow up não é diferente: disfarçadas de mudanças básicas na rotina estão o estabelecimento de padrões somente alcançáveis a partir de procedimentos estéticos caros, que vão muito além de beber água e dormir mais de oito horas por noite e esbarram em uma questão financeira. 

Para a psicanalista Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza PUC-Rio, o problema dessas tendências é que elas uniformizam o que é bonito e vendem a solução. “É necessário que todos nós nos mantenhamos insatisfeitos. E basta você consumir, comprar, parcelar práticas e uma série de produtos que te prometem a felicidade, a saúde perfeita, uma estética irretocável”, conta. Quando você não faz uso dessas “soluções”, parece que tem um problema. “Dessa forma, se cria uma massa de excluídos e um mercado que promete, através dessas práticas, inclusão social.”

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Segundo Liliah Angelini, em uma sociedade baseada em imagens e repleta de preconceitos, o glow up se torna mais uma moeda social. “A questão é que apenas algumas pessoas podem acessá-lo e isso tem efeitos colaterais para quem fica de fora”, explica. “Em um 2022 em que falamos sobre novas expressões de beleza, autoexpressão em voga, consumidores plurais e autênticos, aumento da aceitação individual, ver desafios como esse é como observar um caminhar na contramão do futuro”, complementa.

IMPACTO DA PANDEMIA

Com a pandemia de covid-19, a imersão pessoal e profissional nas redes sociais se intensificou. Com o uso das telas potencializado, as pessoas ficaram mais tempo a sós consigo mesmas, se vendo por outros ângulos ao ter de ligar a câmera para as reuniões online.

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Foram quase dois anos em casa, que geraram mudanças significativas no corpo e na mente. “O que conhecíamos antes como dismorfia do Snapchat, fenômeno que descreve a relação conflituosa entre filtros e a forma como nos enxergamos, se tornou a dismorfia do Zoom. Ou seja, nunca olhamos tanto para a nossa própria imagem à procura do que poderíamos melhorar, do que estava fora de conformidade com os padrões”, explica Luiza.

Não coincidentemente também foi no início da pandemia que os conteúdos de autocuidado, skincare e bodycare começaram a bombar nas redes sociais. Com mais tempo em casa, as pessoas passaram a se preocupar mais com o cuidado com o corpo e com a autoimagem, sendo esse somatório de fatores essencial para a disseminação dos conteúdos de glow up.

UM NOVO OLHAR

Para uma relação mais agradável e menos adoecedora na internet, a psicanalista Joana Novaes explica que é necessário mudar a forma de pensar. “É preciso lembrar que tanto a gordura quanto o envelhecimento e a feiura acenam com aquilo que nos faz humanos, nos iguala. Todo esse mercado que surge de especialistas no sentido do aprimoramento corporal, e sobretudo do aprimoramento no vídeo, surge com o intuito de afastar de nós o contato com a realidade”, afirma. “Para a gente pensar em uma relação mais inclusiva, generosa, de maior prazer com o próprio corpo, a beleza não pode ser o único marcador.”

Além disso, em um oceano de possibilidades, é interessante refletir sobre que perfis seguir. “O que a gente consome, independentemente da vertente, acaba tendo um efeito muito grande sobre a nossa percepção de beleza. É necessário ficar atenta ao que chega às nossas telas, uma vez que esse tipo de conteúdo tem o poder de influenciar na forma como nos vemos”, conclui Marieli.

Vida digital saudável

  • Quem seguir

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O que consumimos influencia na nossa percepção de beleza. Fique atento a quem você segue e qual a sua realidade para não fazer comparações injustas. Siga pessoas que te estimulam e pare de seguir pessoas que te deixem para baixo.

  • Questione

Se seu feed fosse um espelho, você se enxergaria nele? As pessoas que você segue devem dialogar com o que você pensa e quer para si.

  • Tempo de tela

Tente reduzir o tempo que passa online. A internet e a vida no Instagram não representam a realidade

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