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Vila Nova Leopoldina observa Ariquemes

Quando entrei no táxi, nunca imaginei que teria uma manhã tão maravilhosa. Mas eventos improváveis ocorrem e podem salvar o dia. Desde que iniciei a publicação destas crônicas, vez por outra recebo e-mails de professores pedindo permissão para utilizar alguma delas como material didático. Argumentam que o texto curto atiça a curiosidade dos alunos e pode ser usado no início das aulas.

Por Fernando Reinach - Colunista
Atualização:

Quando uma seleção das crônicas foi publicada no livro A Longa Marcha dos Grilos Canibais, surgiu a ideia de distribuir cópias do livro para os professores de ciências do ensino médio. Em 2010, viajei por diversas capitais, conversando com grupos de professores de ciências da rede pública, discutindo como motivar os alunos a se interessarem por ciência. Desde então, tenho tido conversas com alunos e professores de dezenas de escolas. 

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A visita à escola FazArte, na Vila Nova Leopoldina, prometia ser mais uma dessas agradáveis manhãs. Não estava preparado para um susto.

A escola ocupa uma pequena casa no meio do bairro. São 100 alunos, 15 por classe, uma classe para cada ano. Quando me preparava para enfrentar os adolescentes, a diretora me pregou o primeiro susto: aqui só temos alunos do ensino básico, quem leu seu livro foram alunos de 10 a 14 anos. E lá estavam eles, sentados, esperando. Sem saber por onde começar e duvidando que houvessem lido ao menos uma crônica, perguntei sobre o que queriam conversar. A resposta veio rápida: Ariquemes. Ariquemes?

Em 19 de fevereiro de 2009, logo que a Google ofereceu uma opção no Google Earth que permite a visualização de séries cronológicas de imagens de satélite, tentei encontrar uma região na Amazônia onde a série histórica ilustrasse a derrubada da floresta. Acabei selecionando a região de Ariquemes, Rondônia. A crônica (Desmatamento em Ariquemes) sugeria como o Google Earth poderia ser usado para acompanhar o processo de desmatamento. Para minha surpresa, dois anos depois, eu me encontrava na frente de 45 alunos que tinham feito exatamente o que eu havia sugerido.

Enquanto uma professora havia mostrado no computador o desmatamento e discutido com os alunos o que estava ocorrendo na floresta, a professora de português os ajudou a entender as ironias que eu havia incluído no texto. Na aula de matemática, os estudantes haviam tentado calcular a área desmatada usando seus conhecimentos de geometria. E agora eles queriam saber tudo sobre o desmatamento em Ariquemes.

Já haviam escrito para os alunos de uma escola em Ariquemes, perguntando como era a vida por lá. Os olhinhos brilhavam.

Por sorte, leitores haviam me escrito sobre a história de Ariquemes. Um funcionário do Banco do Brasil, que transportava de monomotor o dinheiro para abastecer a agência local, contou que, por volta de 1980, as queimadas eram tantas que muitas vezes o avião não conseguia pousar ou decolar. Outro havia contado que o início do desmatamento foi estimulado por um projeto de reforma agrária. 

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Essas e outras histórias ajudaram a satisfazer a curiosidade dos alunos. Mas logo a conversa mudou. Mais um susto. Diversos alunos haviam lido outras crônicas e a discussão continuou animada. 

Confesso que foi penoso ir embora. Quando entrei no táxi, foi difícil acreditar que não estava em Oslo, mas na Vila Nova Leopoldina, em São Paulo, no Brasil.

*BIÓLOGO

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