Para um doente crônico de aids, abandonar a medicação significa reativar a infecção, mas novos dados sugerem que essa ação infecciosa poderia se originar a partir de um único vírus "escondido" em estado latente em alguma célula do corpo. Veja também:Estudo rastreia vírus da Aids ao início do século 20Vacina para câncer de colo de útero tem 90% de eficácia Apesar da eficácia dos atuais tratamentos anti-retrovirais, capazes de reduzir a carga no sangue do vírus que provoca a aids - o HIV - até valores praticamente não detectáveis, erradicá-lo do organismo continua sendo impossível. Combatido pelos anti-retrovirais, o HIV sobrevive "se escondendo" em algumas células do tecido linfático, do cérebro, da medula óssea ou do sangue, onde resiste protegido em uma espécie de estado inativo - conhecido como estado latente. Sob algumas circunstâncias, entre elas abandonar a medicação, o vírus em estado latente "desperta" e origina, em poucos dias ou semanas, uma nova infecção muito ativa, com a qual o paciente recupera praticamente a carga de HIV que tinha antes de começar o tratamento. Saber o que ocorre nessas células "refúgio" e achar o modo de identificá-las para poder, algum dia, eliminá-las e erradicar a infecção são questões fundamentais às quais a investigação pretende responder hoje, explica Günthard Huldrych, professor no Hospital Universitário de Zurique. O estudo dirigido pelo especialista e que foi publicado nesta segunda-feira, 20, na revista americana Proceedings of the National Academy of Sciences esclarece a primeira dessas dúvidas. Durante os últimos dez anos, existiu a incógnita sobre se nessas células que se transformam em "abrigo" para o HIV, este se encontra completamente inativo ou continua se multiplicando lentamente e se propagando a outras células. A equipe de Huldrych estudou como o vírus evoluía (concretamente, um pedacinho do gene de uma proteína que compõe a cobertura do vírus) em 20 pacientes crônicos de aids que participaram do teste hispânico-suíço de tratamento intermitente (SSITT, em inglês). Para sua surpresa, descobriram que os vírus que reativavam a infecção mal tinham evoluído em relação à situação inicial, antes de começar o tratamento anti-retroviral. Segundo os cientistas, essa "estagnação" é um indício de que o vírus não se multiplica ativamente, porque, se fizesse, mesmo de forma lenta, deveria usar a retrotranscriptase. Esta enzima, fornecida pelo próprio vírus, lhe permite fazer uma cópia de seu RNA no DNA para poder, depois, se inserir no genoma da célula e "se esconder". Nesse processo de cópia, a enzima se equivoca, e muito, "o que deveria resultar, em último caso, em erros no genoma do vírus", explica Huldrych à Agência Efe. Em outras palavras, seria preciso gerar uma diversidade de vírus que sua equipe não encontrou. O especialista acredita que se trata de uma boa notícia para pacientes e médicos, porque deste estudo se depreende que os tratamentos anti-retrovirais são "realmente muito potentes". Além disso, infere-se que seu uso sustentado não teria que levar ao desenvolvimento de resistências, algo que sim seria possível se o vírus tivesse a mínima possibilidade de se multiplicar.