Zika vai 'testar o Brasil como nação'

Para chefe da coordenação do combate mundial contra o vírus, chegou a hora de políticos brasileiros mostrarem 'maturidade'

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Por Jamil Chade
Atualização:
Aylward: 'o inimigo agora é o mosquito' Foto: REUTERS / Denis Balibouse

GENEBRA - O Brasil como nação será “testado” e o momento hoje é de políticos mostrarem “maturidade”. O alerta é de Bruce Aylward, o homem que vai coordenar a resposta mundial contra o zika vírus e diretor-executivo do Departamento de Surtos e Emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em entrevista ao Estado, ele adverte que o Brasil tem duas opções: pensar na população e vencer o mosquito ou pensar em vitórias políticas e fracassar. 

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Aylward, canadense e médico, foi a pessoa que coordenou a campanha contra o pólio mundo. Mas, em 2014, foi chamado em plena crise do Ebola a assumir o novo desafio, depois que a entidade fracassou em identificar o problema e deixou a crise se proliferar. O especialista chegou para organizar uma resposta global, o que lhe exigiu dois anos de trabalho. Mas, enquanto lutava para acabar com a transmissão do Ebola, um outro desafio aparecia em seu radar no final de 2015: o zika vírus. 

Nascido em 1962, Aylward se formou e deixou a faculdade para ir diretamente para Uganda para participar de um campanha de vacinação. Desde então, passou a ajudar países pobres a estabelecer programas de imunização e enfrentou missões no Afeganistão, Camboja, Egito, Iraque e Mianmar. 

Em entrevista ao Estado, Aylward revela que, em poucos dias, a OMS vai lançar um apelo global por recursos para financiar uma resposta internacional para a “proliferação explosiva” do zika vírus. Parte do dinheiro vai para pesquisas para uma vacina. Mas ele deixa claro: o “inimigo é o mosquito”. Eis os principais trechos da entrevista: 

O mundo está pronto para enfrentar o zika vírus?

O mundo está pronto, na medida em que tem a capacidade de diagnosticar a doença, sabe como o mosquito funciona e como reduzir sua população, tem medidas para proteger mulheres grávidas. Portanto, o mundo sabe fazer essas coisas. Mas o aspecto em que o mundo não está preparado é como realizar isso tudo na sociedade. Para que essa luta funcione, a população precisa estar engajada. Eles são os que determinam se a população do mosquito vai aumentar e se proteger. 

A reação que sempre temos é de que o governo não agiu de forma suficiente para lidar com o mosquito. Mas o governo pode apenas fazer uma parte. Ele pode dizer a você o que fazer. É ótimo que o Brasil esteja usando suas forças armadas e vamos ver qual vai ser o resultado disso. Mas, de novo, é a comunidade que terá de ser parte da solução. Em toda emergência, há raiva, recriminação. Mas, em uma guerra, a primeira coisa a lidar é com o inimigo. E o inimigo agora é o mosquito. Depois, claro, todos devem voltar e pensar o que é que ocorreu. Mas o Brasil precisa estar unido agora. 

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No Brasil, há uma recessão econômica e uma crise política. Até que ponto isso pode atrapalhar o combate ao vírus?

Isso é o teste de uma nação. Do povo de uma nação, francamente. Em tempos como esse, pode-se ir para duas direções. Uma delas é de que os diferentes atores, políticos ou outros, decidem que querem usar isso para ganhar pontos e as coisas podem desmoronar. E há a situação em que as pessoas dizem: sabe o que? Precisamos nos acalmar por seis meses. Temos grandes eventos chegando em seis meses no nosso país (Jogos Olímpicos) e ninguém vai ficar bem na foto se estragarmos isso. É muito importante mostrar que podemos fazer isso. Então, isso será realmente um teste da maturidade desses atores. Claro, todos operamos no mundo político e a regra do jogo é sempre vencer. Mas, agora, eles precisam pensar nas mulheres que estão sendo afetadas. 

Quando a população olhar para esse desafio, o que ela vai avaliar é quem mostrou liderança. Oposições podem se dar muito mal se optarem apenas por criticar agora. A população tem expectativas. Nós todos temos irmãs, filhas e amigos. Todos queremos o fim dessa doença. É um momento duro para o Brasil. Mas o País tem tanto orgulho de sua cultura, de sua história. Esse será um teste para o Brasil. Mas o Brasil enfrentou muitos testes em sua história e conseguiu sair deles. A atual geração de líderes políticos tem essa mesma habilidade? Eu acho que sim. Vamos ver. 

Como tem sido a resposta no Brasil?

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A velocidade da propagação foi incrível. O vírus foi encontrado em maio e, em um tempo relativamente rápido, o País o identificou e lançou campanhas. Vale lembrar que zika é uma doença na maioria das vezes muito leve. Muitos nem sabem que foram afetados. Não é a dengue. Portanto, quando a microcefalia começou a ocorrer, eles rapidamente conseguiram estabelecer formas de tentar entender o que é que ocorria em Pernambuco. O Brasil rapidamente fez a associação entre o vírus e a microcefalia e começaram a trabalhar. O Centro de Controle de Doenças nos EUA foi chamado e as melhores pessoas do mundo passaram a agir. 

A OMS vai ajudar financeiramente os governos?

Vamos lançar um apelo mundial por recursos e contar com a ajuda de doadores. Isso vai ocorrer rapidamente e vamos lançar um apelo global por dinheiro para começar a agir. Ao mesmo tempo, vamos estabelecer uma estratégia para a pesquisa. Vamos mapear o que de fato necessitamos para lidar com a doença e então ver quanto necessitamos em termos de financiamento. Isso acontecerá em fevereiro, imediatamente. Vamos fazer pedidos específicos para determinados avanços tecnológicos para permitir que pesquisas possam ser concluídas.

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Já temos como dizer que o vírus é o que causa a microcefalia?

Ninguém tem ainda como dizer o que ocorre. O Brasil decidiu que, mesmo assim, deveria decretar estado de emergência. Muito tem sido feito e muito tem sido feito de maneira correta. 

E quais são os próximos passos?

A questão é que governos começaram a reagir diante do que ocorria no Brasil. E começaram a fazer recomendações para as pessoas. E cada um começou a dar uma recomendação diferente. Portanto, a primeira coisa que precisamos fazer agora é criar um padrão internacional de resposta, a partir de um tratado. Vamos colher os melhores conselhos dos especialistas e dar esse conselho como um padrão. Depois, precisamos que cada governo receba informações apropriadas sobre como reduzir a população de mosquitos e para a sociedade sobre como se proteger. 

E qual será a estratégia com as mulheres grávidas?

Elas estão aterrorizadas e precisam ser nossas prioridades. Talvez haja um risco. Mas ainda não sabemos. Se ela acha que esteve exposta ao mosquito, vá imediatamente ver um médico. Claro, precisamos adotar medidas preventivas, nos proteger. Mas, lembre-se: não temos a prova ainda de que existe essa associação (entre microcefalia e zika). Portanto, não faça o erro de algo que você vai se arrepender no futuro. As pessoas se engravidam por motivos diferentes. O que temos de ter certeza é que elas não façam os erros de suas vidas. Por isso, precisamos administrar isso de uma forma correta. No final das contas, não é a política que importa. É a sociedade e, neste caso, as mulheres. É nelas que precisamos pensar. O que faremos agora é colocar todos os especialistas do mundo juntos para que não seja só a OMS que faça uma recomendação, mas os maiores especialistas do mundo. 

Há motivo para estar em pânico?

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Não. Como princípio, pânico em uma situação de emergência apenas piora a crise. Devemos estar alarmados? Não. Devemos estar preocupados? Sim. O que precisamos fazer agora pelas Américas é comunicar e informar as pessoas. Nesses países, precisamos administrar os riscos, entender o comportamento do vírus e fortalecer o monitoramento.

Mas os meios existem para isso?

Vamos ter de fortalecer a área de pesquisa e desenvolvimento. Um dos grandes desafios que o Brasil teve foi o de diagnóstico. Portanto, precisamos trabalhar nisso. Também precisamos avaliar as possibilidades de uma vacina.