'Mesmo intubado, meu pai viajou quase 300 quilômetros por uma vaga de UTI'

Comerciante Marco Aurélio de Oliveira, de 49 anos, foi intubado em corredor de posto de saúde em Bauru, mas não resistiu

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Por Gonçalo Junior
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O comerciante Marco Aurélio de Oliveira, 49 anos, começou a sentir dores no corpo e falta de ar no dia 15 de janeiro. Ele procurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Geisel Redentor em Bauru (SP). Foi medicado e recebeu orientações para continuar o tratamento em casa. Seu estado, no entanto, piorou. A tosse aumentou e ele já não conseguia respirar direito. A internação aconteceu no dia 26, no Posto de Saúde Municipal de Bauru. Segundo a família, Marco estava com 70% de comprometimento no pulmão e baixa saturação. No mesmo dia, o comerciante foi intubado no próprio corredor da unidade por causa da gravidade do quadro e da falta de leitos. Aí, começou a angústia da espera por uma vaga na UTI.

'Foi muito difícil saber que ele viajou quase 300 quilômetros intubado', diz Fabrício Maldonado, um dos filhos de Marco Aurélio. Foto: Aceituno Junior/Estadão

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Diante da escassez de leitos na cidade, a família entrou com uma medida judicial no Juizado da Fazenda Pública Estadual para garantir o atendimento de que ele precisava. No dia 27, um dia depois, a juíza Elaine Cristina Storino Leoni definiu “tutela de urgência” com “imediata disponibilização da vaga para internação”.

A internação, no entanto, só ocorreu na madrugada do dia 30, três dias depois. Mas a boa notícia veio acompanhada de nova adversidade: a vaga foi oferecida em Mirandópolis, distante 270 quilômetros. Fabrício Maldonado, um dos filhos de Marco Aurélio, conta que esse foi um momento especialmente delicado para a família. “Foi muito difícil saber que ele viajou quase 300 quilômetros intubado. Nenhum hospital consegue garantir que ele chegaria nas mesmas condições”, conta o educador de 28 anos.

Após viagem de mais de três horas, Marco Aurélio chegou ao Hospital Estadual de Mirandópolis no dia 30 de janeiro. Apesar da piora no estado de saúde, com saturação de 50 e insuficiências cardíaca e renal, de acordo com a família, os profissionais conseguiram estabilizá-lo. Durante a internação, a equipe cogitou outra transferência, agora para Araçatuba. Motivo: o hospital de Mirandópolis não possui aparelhos de hemodiálise. Marco Aurélio não aguentou e faleceu no dia 2 de fevereiro. “Uma internação imediata ajudaria muito. A saúde é um direito de todos, mas tivemos de entrar com uma ação. É mais que vergonhoso”, opina Fabrício.

Toda a luta de Marco Aurélio foi acompanhada pela família apenas à distância. Fabrício, Vitor Hugo, outro filho, e a esposa, Edna Maldonado, estavam contaminados com o novo coronavírus, em isolamento. O último contato aconteceu antes de Marco ser internado pela primeira vez. O tio e uma prima de Fabrício acompanharam a permanência em Mirandópolis.

Agora, a família planeja abrir um processo judicial responsabilizando o Estado por omissão pelo fato de não ter fornecido um leito próximo. “Vamos argumentar que viagem foi fator determinante para a morte”, explica o advogado Felipe Braga de Oliveira.

Quando o Estadão pediu ao advogado para ouvir os familiares, Fabrício respondeu que seria uma honra falar sobre o pai. E sugeriu que a foto que acompanha esta reportagem fosse produzida na Ceagesp, o lugar onde Marco trabalhava como vendedor de frutas. Ele era uma figura querida no local. Depois do falecimento, que teve grande repercussão na cidade, as medidas de prevenção à covid-19 passaram a ser mais frequentes. Antes, muitos não usavam máscaras.

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“Meu pai era uma pessoa alegre, sempre sorrindo, que ajudava muito as pessoas. E também simples, que gostava de andar descalço. E amava o que fazia e o que tinha e, principalmente, a família. É um grande exemplo de homem. É um exemplo que vou seguir”, diz Fabrício.

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