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No Amazonas, corrupção e má gestão agravam situação durante pandemia do coronavírus

Operação do Ministério Público Federal apontou desvio de mais de R$ 100 milhões do setor desde 2016

Por Wilson Tosta
Atualização:

RIO - O quadro dramático na saúde do Amazonas, onde o novo coronavírus já matou mais de mil pessoas e infectou quase 13 mil até a manhã desta terça-feira, 12, tem também motivos anteriores à pandemia. A covid-19 atingiu um Estado com um sistema fragilizado por má gestão e desvios milionários de verbas, que ocorrem há vários governos, disse o presidente do Conselho de Medicina local, José Bernardes Sobrinho

O brasileiro Ulisses Xavier, 52, que trabalha há 16 anos no cemitério de Nossa Senhora em Manaus, Brasil, anda de bicicleta quando chega em seu turno em meio à nova pandemia de coronavírus. - Xavier trabalha 12 horas por dia e complementa sua renda fazendo cruzes de madeira para túmulos. O cemitério sofreu um aumento no número de novas sepulturas após o surto de COVID-19. Foto: MICHAEL DANTAS / AFP

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Desde 2016, o Ministério Público Federal investiga esses supostos crimes na Operação Maus Caminhos, que chegou a obrigar dois ex-secretários a usar tornozeleira eletrônica e condenou à prisão ex-gestores e empresários. Salários baixos e atrasados, provocando redução no número de médicos; falta de investimentos; eerros no enfrentamento do vírus também são motivos apontados parao desastre sanitário dos amazonenses.

As investigações de procuradores da República apontam o médico e empresário Mouhamad Moustafa, sócio e administrador da Salvare Serviços Médicos, como chefe de um esquema criminoso que desviou mais de R$ 100 milhões em recursos públicos. Até o início de março, Moustafa acumulava sete condenações criminais, que somavam 81 anos de cadeia. 

Na mesma investigação também apareceram dois ex-secretários de Saúde – Pedro Elias e Wilson Alecrim –, além de funcionários públicos e políticos. Os desvios teriam ocorrido no Instituto Novos Caminhosorganização social que geria unidades estaduaisde saúde (daí o nome da operação). As fraudes envolveriam pelo menos quatro empresas e contratos superfaturados. O MPF ajuizou 118 ações penais e de improbidade administrativa contra mais de 80 pessoas físicas acusadas nos processos. As condenações chegam a 309 anos, e os pedidos de reparação, a R$ 104 milhões. Na época das denúncias, os acusados alegaram inocência. Suas defesas não foram localizadas.

Ministro da Saude Nelson Teich em reunião com Governador do Amazonas Wilson Miranda Lima. Foto: Erasmo Salomão/MS

Quase 2 mil dos infectados pela doença no Estado – mais de 10% do total – são trabalhadores do setor. Quinze morreram e, desses, cinco eram médicos, afirmou Bernardes Sobrinho. A contaminação massiva teria sido consequência de um erro: pacientes com suspeita da covid-19 não usavam máscaras ao serem atendidos. “Em locais bem estruturados, a mortalidade é pequena. Curitiba tem 1 mil UTIs. A ocupação até recentemente era de 31%”, disse.

Segundo o Conselho Regional de Medicina local, em janeiro de 2019, o órgão contava com 5.114 médicos ativos inscritos. Em janeiro de 2020, o número caiu para 4.865. Foi uma redução de 249 profissionais em um ano e às vésperas da chegada ao Brasil do novo coronavírus. O número é pouco menor que os 300 médicos que em média se formam a cada ano nas faculdades amazonenses. “Tem uma evasão muito grande. Os médicos estão indo embora de Manaus. Por quê? Primeiro, condições de trabalho ruins. Segundo, o governo paga com três, quatro meses de atraso. Eles vão fazer pós-graduação em São Paulo e Rio e ficam.”

Vista aérea do cemitério de Nossa Senhora, na cidade de Manaus, em meio à nova pandemia de coronavírus. Foto: MICHAEL DANTAS / AFP

Bernardes Sobrinho disse ainda que a falta de UTIs agrava o problema. “Tem uma Sala Rosa no Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto em que todos estão esperando por uma vaga na UTI. Só que desses que estão na Sala Rosa, grande parte morre, não chegam lá. Há uma fila de sete, oito esperando lugar”, afirmou. Quando há vaga, a escolha do paciente que vai ocupá-la é feita com base em critérios da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), explicou. “É uma preocupação constante entre nós médicos. Eu sou médico, tenho dois filhos médicos, duas noras médicas e uma neta médica. Se eu ou minha família precisar de uma UTI, vou ter de fretar uma UTI aérea e ir embora para Ribeirão Preto, minha cidade, lá eu consigo UTI. Porque aqui a gente vai acabar morrendo”, disse.

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